8 14 de
abril. Madrugada. Alyne.
- Está tudo
meio que uma bagunça, desculpa, façam-se confortáveis.
- Sem
problemas. Diz André com um sorriso forçado.
- Quanto
tempo Alyne. - Diz Johan com uma expressão reconfortante.
- É, muito
tempo.
Johan
analisava o apartamento, cortinas fechadados em todas as janelas, alarmes nas
duas portas de entrada e uma câmera externa. Uma copia de mona lisa em tamanho
reduzido, uma estatueta de Ludwig Van Beethoven, dois abajures simetricamente
posicionados davam ao ambiente um aspecto clássico. Em contraposição à
sofisticação do apartamento, este estava totalmente desorganizado. Fios
espalhados ao chão, tapetes enrolados, um copo de wisky jogado, sapatos
espalhados CDs jogados em cima de uma mesa. Um forte cheiro de álcool, tabaco e
perfume doce feminino de ervas.
- Venham,
vamos conversar naquela sala. – Alyne aponta a uma porta no fundo do corredor.
- Certo.
A sala não tinha janelas, apenas um contorno
de uma que havia sido tapado com gesso. Papeis estavam espalhados no recinto,
ao chão. Em cima de uma escrivaninha, havia um computador, Um grande copo de
café expresso vazio, pastas papeis, canetas e um cinzeiro cheio de cigarros.
Nenhuma decoração, apenas o funcional. Johan sentiu-se logo familiarizado.
- Então
estão aqui por causa de alguns eis-pacientes meus. Os que deixaram bilhetes
logo antes do suicídio, fazendo referencia a uma sala branca. Vocês talvez
tenham notado que minhas paredes foram recém-pintadas com cores escuras. Criei
um pavor a ambientes brancos. - Alyne acende um cigarro.
- Apenas
por causa de seus pacientes ? pergunta André
- Talvez,
ando pesquisando sobre a sala branca a um ano, tudo está aqui nesse arquivo no
computador, entrevistas, consultas. Todos, simplesmente todos os pacientes que
falam sobre a sala branca morreram. Conversei com outros psiquiatras que me
confirmaram a mesma situação, mas de alguma forma, eu recebo mais pacientes do
tipo que os outros. Já pensei em diversas possibilidades, como um surto
coletivo. Mas algo chamou minha atenção todos eles tinham alguma relação com a
igreja protestante, as claras portas do reino dos céus. Alguns relatavam
encontrar na igreja esperança, um pouco de paz, que a luz de Deus iluminava a
sala branca destes. Mas eu indago, de que serve a luz quando não há nada para
ver ? Todos se sentiam perseguidos, o quadro é sempre o mesmo. Os casos da sala
branca começaram depois que a igreja se instalou. Jonas Veras foi o primeiro,
há mais ou menos dois anos atrás, dois meses depois que a igreja se instalou.
- E a vie,
sécurité no mesmo período. Lembra Johan.
- Eu não
tinha atentado a esse detalhe. Confessa Alyne.
- Cinco
meses depois dessas instituições se instalarem, pois elas se instalaram
simultaneamente, essa maldita cidade passou a ser a número 1 em suicídios no
país. Estamos também investigando a morte da Julie e Margaret Simons. Explica Johan.
- Entendo.
- Nós
queremos saber mais sobre os depoimentos de seus pacientes relacionados a sala
branca. - Diz Johan seriamente fitando diretamente os olhos de Alyne.
Há algo
peculiar no olhar de Johan, sempre houve. Olhar aos seus olhos é como
inclinar-se sobre um alto prédio. Seus olhos são profundos, passam uma sensação
de certeza, frieza e segurança. Verde acinzentados eram eles, um verde frio,
triste.
- Os
depoimentos eram diversos, nem todos os meus pacientes que falavam da sala
branca eram membros da igreja, mas a conhecia, e conhecia seus métodos, de
alguma forma tinham uma ligação direta ou indireta. Estes mais afastados da
igreja tinham altos cargos políticos ou muitas posses. Todavia sobre os
depoimentos eles tinham algumas características que sempre se repetem, mas eram
diversificados em seus detalhes. As modais eram: Dores de cabeça, depressão,
mania de perseguição, tinham frequentemente alucinações, sonhos e desviavam-se
da realidade, daí vem a sala branca um local onde eles dizem se sentir
totalmente impotentes, é um estado de espirito, a sala não é só uma ilusão, é a
realidade do paciente, se faz mais real que o seu presente e passado físico, e
o futuro, ele percebe logo, que já não existe. Esse é o resumo do fruto da
minha pesquisa. - Diz Alyne olhando aos olhos de Johan e logo os desvia e sua
visão recai sobre o chão.
Johan
suspira e acrescenta: - A igreja ganha dinheiro com as mortes.
- O que!? -
Exclamam Alyne e André, quase
simultaneamente.
- Pesquisei
ontem pela manhã, e descobri que os fieis doam os bens a igreja após a morte.
Assim como a igreja católica fazia no período pós-colonização da América do
sul, convencia os fazendeiros ricos a doarem seu dinheiro após a morte.
Descobri isso simplesmente assistindo televisão, o programa deles ontem. O
pastor convence de forma indireta a essa ação. Depois apresento o vídeo a
vocês. Eles oferecem a cura à depressão, nova perspectiva de vida. Dessa forma
é natural ter muitas pessoas depressivas na igreja.
- Então a
igreja pode apenas ganhar dinheiro com a morte, mas não ter ação direta sobre
ela. Todavia, essa possibilidade é remota e derrubada pelo fato de os casos
começarem quando a igreja começou. Diz André.
- É uma
possibilidade, mas e a vie, sécurité ?
André
suspira desapontado. - Até agora não sabemos de nenhuma ligação, estamos
esperando Charlotte e Carlos terminarem a investigação sobre o caso Simons,
estamos apenas ajudando eles no caso e esperando resultados, não participamos
ativamente. Mas está claro que por causa do bilhete da Julie esse deve ser o
ponto de conexão entre as duas instituições.
Johan fita
novamente o semblante de Alyne Reims. Tensa, mãos entre as coxas, apertando-as
compulsivamente. Morde os lábios. Ela está em duvida se deveria ter confessado
isso, se era o correto, a integridade de seus pacientes. E se Johan e André
trabalhassem para as corporações ? E se eles estivessem apenas coletando
informações para entregar as instituições ?
- Gostaria
que você participasse ativamente de nossas investigações, digo, tendo um elo de
confiança conosco e vice-versa. -
Convida Johan.
- Devo
ressaltar que em uma operação como essa, é necessário extremo sigilo, ninguém é
confiável, absolutamente ninguém. – Lembra André.
- Sim,
também gostaria, vocês são os primeiros a saber de minha pesquisa.
André sorri
confortavelmente. – Ótimo.
André,
Johan e Alyne se dirigem a saída. André observa que há muito não é feito uma
limpeza no apartamento, vê uma barata perambular em cima de pratos sujos de
comida sobre a mesa de centro da sala, muitos cigarros em um pequeno cinzeiro
ao canto da mesa, um incenso de ervas aromático, estava a outra extremidade
para elimicar os maus odores.
- Ah me
lembrei de outro detalhe, você sabe alguma relação da droga snow blind com os
casos da sala branca ? Interroga André.
Alyne
hesita: - Bem, poucas pessoas em um universo de 550, no máximo 70, que eu
saiba, por que?
- Um dos
efeitos da droga é deixar o usuário temporariamente cedo, ver apenas o branco.
Responde Johan.
- Entendo,
vou pesquisar na casa de ajuda a dependentes químicos. Diz Alyne, dirigindo-se
a porta.